quarta-feira, 2 de outubro de 2013


O LIVRO


O maior inimigo do livro é a falta de leitores

 

Dos instrumentos do homem, o livro é, sem dúvida, o mais assombroso. Os demais são extensões do corpo.
O microscópio, o telescópio são extensões da sua vista. 
O telefone é a extensão da sua voz.
Depois vem o arado e a espada, extensões do seu braço.
Mas o livro é outra coisa:
o livro é a extensão da memória e da imaginação.

Jorge Luiz Borges

                   
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

   Almas perfumadas



Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta.

De sol quando acorda.

De flor quando ri.

 

Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma rede que dança gostoso

numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.

Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na praça,

lambuzando o queixo de sorvete,

melando os dedos com algodão doce da cor mais doce que tem pra escolher.

 

O tempo é outro.

E a vida fica com a cara que ela tem de verdade, 

mas que a gente desaprende de ver.

Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.

De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul.

 

Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e que alguns são invisíveis.

Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa e 

trocando o salto pelo chinelo, sonhando a maior tolice do mundo 

com o gozo de quem não liga pra isso.

 

Ao lado delas, pode ser abril, 

mas parece manhã de Natal 

do tempo em que a gente acordava 

e encontrava o presente do Papai Noel.

 

Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus acendeu no céu 

e daquelas que conseguimos acender na Terra.

Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível, 

a gente tem certeza.

 

Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar feito de alegria, 

recebendo um buquê de carinhos, abraçando um filhote de urso panda, 

tocando com os olhos os olhos da paz.

Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave 

que sua presença sopra no nosso coração.

 

Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa,

do brinquedo que a gente não largava,

do acalanto que o silêncio canta,

de passeio no jardim.

 

Ao lado delas, a gente percebe que a sensualidade 

é um perfume que vem de dentro e que a atração 

que realmente nos move não passa só pelo corpo.

Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar.

 

Ao lado delas, a gente lembra que no instante em que rimos 

Deus está conosco, juntinho ao nosso lado.

E a gente ri grande, que nem menino arteiro.