CARLOS
DRUMMOND DE ANDRADE
Almas perfumadas
Tem gente que tem cheiro de passarinho quando
canta.
De sol quando acorda.
De flor quando ri.
Ao lado delas, a gente se sente no balanço de uma
rede que dança gostoso
numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
Ao lado delas, a gente se sente comendo pipoca na
praça,
lambuzando o queixo de sorvete,
melando os dedos com algodão doce da cor mais doce
que tem pra escolher.
O tempo é outro.
E a vida fica com a cara que ela tem de
verdade,
mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.
De banho de mar quando a água é quente e o céu é
azul.
Ao lado delas, a gente sabe que os anjos existem e
que alguns são invisíveis.
Ao lado delas, a gente se sente chegando em casa
e
trocando o salto pelo chinelo, sonhando a maior
tolice do mundo
com o gozo de quem não liga pra isso.
Ao lado delas, pode ser abril,
mas parece manhã de Natal
do tempo em que a gente acordava
e encontrava o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas que Deus
acendeu no céu
e daquelas que conseguimos acender na Terra.
Ao lado delas, a gente não acha que o amor é possível,
a gente tem certeza.
Ao lado delas, a gente se sente visitando um lugar
feito de alegria,
recebendo um buquê de carinhos, abraçando um
filhote de urso panda,
tocando com os olhos os olhos da paz.
Ao lado delas, saboreamos a delícia do toque suave
que sua presença sopra no nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa,
do brinquedo que a gente não largava,
do acalanto que o silêncio canta,
de passeio no jardim.
Ao lado delas, a gente percebe que a
sensualidade
é um perfume que vem de dentro e que a
atração
que realmente nos move não passa só pelo
corpo.
Corre em outras veias. Pulsa em outro lugar.
Ao lado delas, a gente lembra que no instante em
que rimos
Deus está conosco, juntinho ao nosso lado.
E a gente ri grande, que nem menino arteiro.